deus difuso / cura / conhas

alberto de lima
2 min readSep 3, 2020

eu e minha amiga Dryelle Albuquerque (@dryhelll) nos juntamos para criar esse vídeo bonito e sensível. são três poemas meus recitados por ela mesma. as imagens do vídeo também são dela. a música de fundo é de Badi Assad (@badiassad), instrumentista/musicista brasileira. são poemas antigos mas que resgatam o sentimento de nós todos durante essa nova rotina, essa nova vivência. poemas que querem gritar ao mesmo tempo em que se silenciam. ou que soam como um sussurro ao pé do ouvido.

DEUS DIFUSO

o tempo é este deus difuso que traz
e leva, apascenta, cura, cicatriza
o tempo sopra forte nos dias tristes
a memória, as lembranças, as fotografias
o tempo transpassa os furos da nossa casa
que é o nosso forte, acalento, aconchego
e como feixes de luz permanece ali
estático, como se dizendo alguma coisa
algum segredo, silencioso

CURA

os esconderijos dos homens sujos de sangue
botas acorrentadas e podres
arranhões de unhas em paredes
resquícios da sanidade nos pisos
esses bichos civilizando cabeças
este empeste de feridas
cicatrizes, despedidas
a melancolia de um adeus constante
as fissuras nas tribos
mais impuras do corpo

a madrugada é um vira-lata
rabugento, sedento, incontente
procurando restos de carnes
entre os dentes

a cura, porém, despencará no fim
deste dilúvio humano

CONCHAS

nos dias de inverno onde os ventos
sopram mais através da nossa casa
eu ouço estalos no telhado
como se ele andasse se movesse
de seu lugar inerte
eu escuto o emaranhado dos dedos
entocados nas mãos
esperando pela palavra esperando
e ela não vem

nos dias de inverno eu paro quieto
no sofá na cama em algum canto
da casa e sinto os cheiros
o cheiro dos lençóis
das minhas roupas
e fico parado lembrando
de meu irmão de como a mão da mãe
exala o cheiro mesmo o cheiro peculiar
para todas as coisas dos filhos

as mãos das mães são conchas infinitas
que guardam o nosso coração
o coração dos filhos são como pérolas
dentro das mãos das mães
e eles vivem no mundo através delas
eles respiram as mãos eles
se alimentam das mãos
eles morrem e o coração dos filhos
continua batendo e batendo
e batendo nas conchas infinitas
das mãos da minha mãe

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