eu achei o filme ok e até tive uma experiência digamos catártica com a cena das mulheres chorando junto com a protagonista, e com a do ritual do sexo entre christian e aquela ruiva lá. essa catarse se deu pela lembrança de um poema que traduz de forma assustadora essas duas cenas. o poema é de Marceli Andresa Becker (http://www.facebook.com/CamilaPlath). se não conhece, vale a pena dar uma conferia nos escritos dela, que são incríveis. eis o poema:
as mulheres são todas iguais
deixarás uma em busca de outra, crerás na promessa de vida nova, ao lado dela — a única
mas as mulheres são todas iguais
cedo ou tarde verás em mim a melancolia da raquel
a mesma paixão triste pelo inconsútil
cedo ou tarde entenderás que — como a roberta — não tenho onde pousar as mãos em dias como este domingo
e que através da luana também canto aos quatro ventos
“eu, mulher, monstro do meu desejo, cadela cabalística, a carta má dos tarôs da morte (…)”
(…)
são iguais as mulheres
onde encontrarás uma encontrarás todas
quantas me acompanham
nesta cidade em ruínas onde sigo só? à janela de uma das poucas casas que sobraram
me observas — sentada de lado, no largo parapeito; penso em nydia
em ana
em samantha — penso que estou vestida de preto, ouvindo os sinos ao longe
à espera de um deus
ou de uma menina morta para beijar as mãos
–
eu, que só acredito no que dizem quando o que dizem traz algo das lendas do animal nascido
da sombra
de um jarro intocado
–
onde amares uma mulher terás de amar todas
uma, se odiares — odiarás uma legião
somos em certo sentido como a ave; suspensas no ar, num só corpo: “frágil e forte — o mundo inteiro / depende / do pulsar cardíaco / do pássaro”
à voz da adriane
–
pesquisas mostram que os ciclos de sangue de mulheres que moram juntas tornam-se sincrônicos
o que não mostram pesquisas — que sincrônicos passam a ser também nossos sonhos
em sonho, a pronúncia do meu nome é mais vaga, um balbucio
bem poderias confundi-lo com
o da maiara
marieli, marceli — no escuro, antes que se rompa o fio de prata
–
não te deste conta
porque o diabo mora nos detalhes: às nossas costas vingam as mesmas pintas
amanda, farrah
as mesmas linhas marcam nas omoplatas os domínios de uma espécie de constelação
–
pensemos em ted hughes, por exemplo:
depois de se separar de sylvia plath, ele se casou com assia wevil
sylvia se suicidou com gás de cozinha
assia fez o mesmo alguns anos mais tarde
o mesmo ato
o mesmo gás
o mesmo homem
as mulheres são todas iguais
–
que eu não tenha decepado a tua cabeça, servindo-a na bandeja, como salomé: é questão de acaso
que eu não tenha te envenenado com a cantarella, como lucrécia borgia: é questão de acaso
que não me tenhas chamado de beatriz
que não tenhas morrido e renascido mil vezes no meu gozo
(…)
à noite te deitarás com ela
e nela serão todas
e qualquer uma
os mesmos casos perdidos
as mesmas mulheres sentadas no meio-fio da esquina onde a menina de isabela faz ponto
as mesmas freiras da ordem do carmelo
as mesmas tipas fazendo aborto
clandestinamente
as mesmas velhas à espera de não se sabe o que, olhando pela janela
–
porque numa somos todas
repetíveis, labirínticas
espelhos
espectros umas das outras
–
de madrugada ela te seduzirá com beijos e cheiros
e quando descobrires que é a mesma mulher de sempre
o mesmo antigo demônio fêmeo
nessa hora será tarde. já a terás fecundado
iniciado uma linhagem má
fundado uma nação
Marceli Andresa Becker