alberto de lima
3 min readFeb 28, 2022

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ontem o dia estava coloridamente triste. não tivemos carnaval, mas o dia estava ensolarado. os pássaros ainda voavam. as ruas e seus moradores se encontravam em poucos. a cerveja com o mesmo tom de sempre, só que mais gelada. meus familiares reunidos, agora em pouco menos que de um dia distante. ontem o dia estava extremamente bonito e o ar era gostoso de ser respirado, mas escutei o choro da minha tia que está há uns meses em depressão. aquela alegria toda concentrada em uma mulher. nesse dia bonito. o choro dela. não contive. ainda nesse dia, ontem, recebi a declaração de amor mais bonita que já tive. não foram muitas, na prática. na teoria tenho muitas os dias todos. minha respiração. a mão de minha irmã cafunando minha cabeça pela manhã ao acordar. minha mãe, aqui, viva. meus bichos. minha família. meus amigos. que amo e que amo. mas ontem a gente se viu depois de um bom tempo. talvez fosse a quinta ou sexta vez que a gente se via assim fisicamente. mas sempre o mesmo toque e o mesmo afeto e a mesma troca. das poucas vezes que a gente se viu desde a primeira vez que os olhos se cruzaram, conversas longas também se cruzaram e experiências e vivências mas também desencontros. o dia ontem foi muito bonito. me disse que de todos os homens com quem já havia trocado a intimidade da palavra íntima, o que foram muito pucos, eu é quem o atravessei. e isso me atravessou. assim de imediato. achava que da parte dele existia apenas o desejo de algo retraído, o beijo, o estar confortável a dois, o que estava ali exposto assim fisicamente. e foi o que eu disse. assim, olha, eu dizendo pra ele, olha, de verdade eu achava isso porque eu travo qualquer tipo de relação não recíproca. eu passo por cima mesmo tipo trator tipo touro, pra não criar nenhuma expectativa. já amo sozinho demais por muita coisa e isso me dói. não quero ter mais. mas eu sempre te enxerguei, assim mesmo, como naquele filme avatar onde os personagens dizem eu vejo você que tem o mesmo significado que eu te amo. eu te enxergo de verdade e nunca foi só o externo ou o que tu expõe. eu enxergo o teu silêncio, as tuas pausas, a tua busca por palavras mais exatas. e aí ele disse pra mim que queria o meu estar ao lado dele, não ali naquele momento, não só, mas em outros e em uma infinidade. mas não conseguia. e eu perguntei o porquê de imediato seguido de tu não se permite, é isso? e ele não é questão de se permitir, é outra coisa que eu não sei. e ali a gente ficou alguns segundos olho a olho tentando entender. duas almas frente a algum mistério. tu é um homem lindo ele disse, e não falo só por fora, mas merece muito mais porque não estou no mesmo degrau que o teu. não me sei. não poderia me oferecer de completo. não conseguiria ter o sexo e nem te dar o prazer dele. é algo que me trava. que me impede de subir mais um degrau. e eu fiquei ali preso nos olhos dele quase chorando. olhei prum canto, passei um tempo ali fixado. e disse que a sociedade nos fode de uma forma muito filho da puta que nos tira um pouco, ou muito, de nossa essência, que a gente se perde tentando seguir caminhos pré definidos. e que o sexo não é tudo. e continuei olha, já passei por tanto pra conquistar a liberdade que tenho hoje. mesmo que às vezes possa parecer uma falsa liberdade. eu já chorei tanto. já perdi tanto de mim. odeio dar tiro no escuro. a liberdade é um preço muito alto. ele chorou. e mais um vez disse tu é muito lindo, sabia? e a gente se abraçou na presença de agora um silêncio. e assim a gente ficou escutando umas músicas e trocando algumas palavras até o momento da despedida. não tivemos carnaval, mas ontem o dia estava muito, mas muito bonito.

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